Vozes que Não Se Ouve: Como Incluir Pessoas que Não Estão nas Redes nas Suas Histórias

Em um mundo cada vez mais conectado, a produção de conteúdo digital — especialmente no universo dos podcasts — parece girar em torno de um único eixo: a internet. É ali que buscamos fontes, referências, vozes, tendências e validações. Mas, ao focarmos apenas nesse circuito online, corremos o risco de deixar de lado um Brasil profundo, diverso, oral e real, que pulsa longe dos algoritmos.

Este post é um convite à escuta ampla e sensível. Vamos falar sobre quem são as pessoas que ficam fora do radar das redes sociais e por que é essencial incluí-las na construção de narrativas mais completas, humanas e pluralizadas. Se você é produtor, roteirista, jornalista ou simplesmente alguém que acredita no poder das histórias, siga com a gente. Vamos explorar como abrir microfones — reais e simbólicos — para as vozes que não se ouve.

A bolha do digital: quem está de fora e por quê?

Quando falamos em “incluir vozes fora da rede”, estamos nos referindo a pessoas cujas realidades não transitam pelo ambiente online — seja por falta de acesso, por desinteresse, ou por dinâmicas sociais que não as colocam dentro da lógica digital.

O Brasil, segundo dados do IBGE e TIC Domicílios, ainda possui milhões de cidadãos desconectados ou com acesso limitado à internet. São idosos sem familiaridade com tecnologia, trabalhadores informais com rotinas exaustivas, moradores de regiões onde o sinal de celular é fraco ou inexistente, povos originários e comunidades tradicionais com outras prioridades comunicacionais. E mesmo quando essas pessoas possuem um aparelho em mãos, isso não significa presença ativa nas redes sociais — muito menos produção de conteúdo.

Essa ausência não é sinônimo de falta de relevância. Ao contrário: muitas dessas pessoas carregam saberes, vivências e narrativas que compõem o tecido social brasileiro. Ignorá-las significa construir um espelho quebrado, onde só parte do país se vê — geralmente a parte mais urbana, escolarizada, jovem e conectada.

O digital é uma bolha. E como toda bolha, ela reflete mais a nós mesmos do que o mundo à nossa volta.

O risco de um conteúdo urbano que ignora vozes populares desconectadas

Boa parte da produção de podcasts no Brasil tem como epicentro as grandes cidades. Isso, por si só, não é um problema — mas se torna um ponto de alerta quando o urbano vira filtro único da escuta. Quando só damos voz a quem já está “microfonado” pela internet, criamos um viés perigoso: o da homogeneização.

Vozes populares, periféricas, rurais e comunitárias — muitas vezes não digitais — passam a ser ignoradas ou representadas de forma estereotipada. Com isso, histórias importantes deixam de ser contadas por quem as vive. Em seu lugar, surgem interpretações mediadas, análises distantes ou uma romantização folclórica que pouco colabora com a construção de empatia ou justiça narrativa.

Além disso, ao não incluir essas vozes, reforçamos desigualdades. Criamos um ciclo onde quem tem visibilidade continua visível, e quem está nas margens segue invisível. Como produtores de conteúdo, temos a responsabilidade ética de romper com esse padrão. Um podcast pode — e deve — ser uma ponte entre mundos, e não apenas um reflexo das mesmas referências de sempre.

A escuta verdadeira exige deslocamento. Geográfico, sim, mas também de escuta e de intenção.

Onde estão essas vozes?

Se o objetivo é ampliar a representatividade real no seu podcast, a pergunta essencial é: onde estão as vozes que ainda não escutamos? A boa notícia é que elas estão por toda parte — não invisíveis, mas muitas vezes invisibilizadas. Estão nas ruas, nas feiras, nas calçadas, nos corredores das igrejas, nas praças públicas e nos pequenos centros culturais de bairro. Basta mudar o foco da escuta para começar a percebê-las.

Vendedores ambulantes: narradores do cotidiano urbano

Pessoas que vendem nas ruas — do picolé ao guarda-chuva — são especialistas em observar a cidade. Elas têm rotas, rotinas, histórias de superação e uma percepção aguçada sobre o que se passa no espaço público. São microempreendedores, mas também comunicadores espontâneos: conversam com dezenas de pessoas por dia, trocam informações, captam tendências e sobrevivem em meio ao caos urbano. Há riqueza na fala de um vendedor de pipoca que está há 20 anos na mesma praça. Há crônica oral em quem conhece pelo nome os clientes da estação de trem. Essas são vozes de experiência concreta — e raramente ouvidas com atenção.

Idosos: memória viva das comunidades

O envelhecimento costuma afastar as pessoas do mundo digital, mas aproxima da sabedoria acumulada. Idosos carregam histórias de vida que atravessam décadas, contextos políticos, mudanças de cidade, transformação de bairros, revoluções silenciosas. Eles têm algo raro no mundo acelerado: tempo para conversar. E mais que isso, vontade de contar — se alguém estiver disposto a ouvir com respeito. São testemunhas de épocas e guardiões de tradições, modos de viver, linguagens e afetos. Incluir um idoso no seu episódio pode significar resgatar um Brasil que a internet ainda não codificou.

Lideranças locais: articulação e potência comunitária

Em quase toda vila, bairro ou comunidade há alguém que organiza, cuida, aconselha, protesta, representa. São as lideranças locais — formais ou informais — que sustentam o dia a dia dos territórios. Muitas vezes não têm cargo público, mas têm voz ativa e são referência para os seus. Pode ser a coordenadora do centro comunitário, o líder de um grupo de jovens, a cozinheira que mobiliza mutirões, o pastor, a mãe de santo, o professor voluntário. Essas pessoas não apenas têm o que dizer — elas sabem como dizer. São fontes valiosas, com legitimidade e conhecimento de causa sobre o que afeta diretamente suas comunidades.

Artistas de rua: expressão e crítica fora das galerias

Quem canta no metrô, pinta muros, recita poesia na feira ou faz malabares no sinal também comunica. E muitas vezes o faz de maneira muito mais potente que canais convencionais. Artistas de rua atuam num território liminar, onde a arte se mistura com denúncia, sobrevivência e invenção. Seus relatos, quando captados com sensibilidade, revelam muito sobre desigualdade, resistência cultural, criatividade urbana e os limites da política pública de cultura. Além disso, eles representam um tipo de expressão que não depende de tela — mas de presença.

Frequentadores de centros comunitários: a voz da convivência

Centros comunitários, casas de cultura, associações de bairro, bibliotecas públicas e ocupações culturais são espaços férteis para encontrar diversidade de pensamento e vivência. Diferente das redes sociais, onde bolhas são construídas por algoritmo, esses lugares promovem o encontro real, o embate de ideias, a convivência intergeracional e intercultural. Conversar com quem frequenta esses espaços — muitas vezes sem nunca ter aparecido em um story — é um exercício de escuta ativa. São pessoas que constroem sua cidadania de forma coletiva e que têm muito a dizer sobre o que funciona (ou não) em suas realidades.

Essas vozes não estão “escondidas”. Elas apenas não têm Wi-Fi.
Estão ali, esperando o encontro. Para quem produz conteúdo com responsabilidade, ir ao encontro delas não é um favor — é um gesto de compromisso com a pluralidade, com a escuta real e com a construção de narrativas mais justas.

Como abordar essas pessoas com cuidado e escuta real

Chegar até as vozes fora da rede é um passo essencial — mas não é o suficiente. A maneira como nos aproximamos, ouvimos e convidamos essas pessoas a compartilhar suas histórias faz toda a diferença entre uma prática jornalística ou documental comprometida e uma coleta invasiva, superficial ou até mesmo exploratória.

Abordar com cuidado significa entender que o seu microfone não é neutro. Ele carrega intenções, representa um meio de circulação pública e, para muitas pessoas, pode ser encarado com estranhamento, medo ou resistência — e com razão. Muitas dessas vozes já foram silenciadas, distorcidas ou romantizadas por outras mídias. Por isso, a escuta real começa antes da gravação: ela está na presença, na linguagem, na humildade e na capacidade de reconhecer o outro como sujeito, não como personagem.

Linguagem: fale como quem quer ouvir, não como quem quer extrair

A linguagem que você usa ao abordar alguém deve ser acessível, empática e respeitosa. Evite termos técnicos, jargões do universo do podcast ou expressões que possam gerar confusão ou desconfiança. Explique com clareza quem você é, o que está produzindo, por que aquela pessoa chamou sua atenção e o que pretende com a gravação.

Mais importante ainda: escute mais do que fale. Mesmo ao explicar sua proposta, esteja atento(a) aos sinais verbais e não verbais do outro. Pergunte antes de gravar. Dê tempo. Não interrompa. Não corrija a fala do outro. Não espere que ele “renda conteúdo”. Às vezes, o maior ato de escuta é aceitar que a história vem do jeito que vier.

Presença: esteja inteiro(a) e disponível

A pressa é inimiga da escuta. Uma boa entrevista começa com um encontro — e encontros demandam presença. Isso significa estar disponível de verdade: desligar o celular, prestar atenção ao ambiente, olhar nos olhos, demonstrar interesse sincero.

Estar presente também implica estar vulnerável. Não é só o outro que está se abrindo. Você também está entrando num território simbólico, afetivo e, muitas vezes, dolorido. Esteja disposto(a) a se deslocar — não só fisicamente, mas emocionalmente. O cuidado com a escuta é o que legitima o espaço de fala do outro.

Postura: cuidado não é paternalismo

Abordar com cuidado não é tratar o outro com condescendência. É entender que ele é o especialista da própria vivência. Evite a postura de “salvador”, de quem vai dar “voz a quem não tem”. Essas pessoas têm voz — o que falta, muitas vezes, são espaços legítimos para que ela ecoe sem filtros colonizadores ou caricaturais.

Demonstre respeito pela história, mas também pelas pausas, pelos silêncios, pelas hesitações. Alguns relatos não vêm prontos. Outros vêm em forma de desabafo, de música, de memória fragmentada. Escutar é permitir essa fluidez.

Aproximação: relacional, não extrativista

Evite a lógica extrativista — aquela que coleta histórias como se fossem minérios raros para exibição. A aproximação com as vozes desconectadas deve ser relacional. Ou seja, baseada em troca, vínculo, continuidade.

Sempre que possível, participe dos espaços antes de sacar o gravador. Vá à feira, ao centro comunitário, ao sarau. Converse sem querer gravar. Aja com interesse genuíno pela pessoa e pelo território. Construa relação antes de pedir colaboração. Isso não apenas gera confiança, mas também melhora imensamente a qualidade da escuta que você vai receber.

O não-convite como forma de respeito

Nem toda abordagem deve virar entrevista. Saber reconhecer quando não insistir é essencial. Há pessoas que simplesmente não querem gravar — por cansaço, trauma, timidez, ou por não verem sentido nisso. Outras, mesmo aceitando, podem demonstrar desconforto, hesitação ou desinteresse.

Insistir pode virar violência simbólica. É aí que entra um dos princípios mais nobres da escuta ética: o direito de não falar. Respeitar o silêncio do outro é parte do seu compromisso como produtor. Lembre-se: você está entrando na vida de alguém, e não o contrário.

O não-convite, nesse contexto, é um ato de cuidado. É sinal de que você entende os limites da escuta. Que você está ali para registrar o que for possível — e não para forçar o que for útil.

Abordar com escuta real é um exercício constante de empatia e humildade.
Mais do que colher histórias, trata-se de criar espaço para que elas aconteçam de forma segura, digna e verdadeira.

Gravando fora da rede

Produzir um podcast comprometido com a inclusão de vozes desconectadas exige, além de escuta sensível, habilidade prática para gravar fora dos ambientes tradicionais e longe da infraestrutura digital. Isso não significa, porém, que você precise de equipamentos sofisticados ou grandes investimentos. Com preparo, criatividade e técnica, é possível capturar áudios de qualidade com recursos simples, acessíveis e eficientes.

Gravar offline é uma prática que valoriza a presença, o corpo-a-corpo e a escuta territorial. Ela descentraliza a produção e leva o podcast para onde ele precisa estar: nos lugares onde as histórias acontecem, e não apenas nos estúdios.

Abaixo, você encontra orientações detalhadas para realizar gravações de campo com celular ou gravador portátil — com qualidade técnica, respeito ao ambiente e segurança do material captado.

1. Use o que você tem: o celular é uma poderosa ferramenta de captação

Hoje em dia, a maioria dos smartphones tem microfones embutidos de ótima qualidade — especialmente se você souber como usá-los corretamente.

Dicas essenciais para gravar com o celular:

  • Escolha o app certo: use aplicativos de gravação que permitam controle de ganho e salvem em formatos de alta qualidade (como WAV ou AAC). O Dolby On, o Easy Voice Recorder e o ShurePlus MOTIV são boas opções, mesmo nas versões gratuitas.
  • Modo avião sempre ativado: isso evita interrupções de chamadas, notificações e economiza bateria.
  • Capte perto da fonte: aproxime o microfone do celular da boca do entrevistado, mantendo cerca de 20–30cm de distância para evitar distorções.
  • Evite tocar no aparelho durante a gravação: o atrito com a mão ou superfícies gera ruídos indesejados.
  • Proteja contra vento: use uma espuma (pode adaptar uma de microfone comum) ou improvise com um pedaço de tecido leve por cima do microfone embutido.

2. Gravadores portáteis: autonomia e qualidade com pouco peso

Se você tem acesso a um gravador de áudio portátil, como os modelos da Zoom (H1n, H4n) ou Tascam (DR-05, DR-07), está em excelente posição para captar som de campo com qualidade profissional e autonomia total — sem depender da internet, bateria de celular ou aplicativos.

Vantagens e cuidados:

  • Captação estéreo realista: ideal para registrar também os sons ambientes que enriquecem o episódio.
  • Controle manual de níveis de áudio: evite picos e estalos.
  • Funciona com pilhas: ótimo para gravações longas ou em locais sem energia.
  • Atenção à posição: mantenha o gravador estável e voltado para a fonte de som, sem barreiras entre a voz e os microfones.
  • Teste antes de gravar: sempre ouça uma amostra antes de começar a entrevista para garantir que o nível e o ambiente estão adequados.

3. O ambiente importa (muito)

Quando se grava fora do estúdio, o espaço onde você grava influencia diretamente na clareza e qualidade do áudio.

Dicas para escolher um bom local:

  • Evite espaços com muito eco: paredes de azulejo, salas vazias ou corredores longos tendem a devolver o som. Prefira lugares com objetos, estofados ou paredes irregulares que absorvam ruído.
  • Fuja do barulho constante: geradores, ventiladores, tráfego intenso ou música alta são inimigos da gravação limpa.
  • Prefira o ar livre em momentos de silêncio: se estiver ao ar livre, opte por horários mais tranquilos (início da manhã, por exemplo).
  • Use o ambiente a seu favor: alguns sons naturais podem contextualizar e valorizar o episódio — como o burburinho de feira, o som de crianças brincando, o canto de um vendedor de rua. Grave também trechos do entorno, mesmo que sejam usados só como “camada” na edição.

4. Cuidados com arquivos e backup

Gravar offline exige também atenção redobrada com a segurança dos arquivos:

  • Salve imediatamente após gravar. Em celulares, envie para o Google Drive ou outro serviço de nuvem assim que estiver conectado novamente. Em gravadores, transfira para o computador ou HD externo assim que possível.
  • Renomeie os arquivos com lógica: exemplo: entrevista_dona_ana_sabado.wav. Isso evita confusões na hora da edição.
  • Leve pilhas e bateria reserva. Planeje a duração da entrevista e garanta que seus equipamentos vão resistir até o fim.

5. A gravação começa antes do REC

A preparação é parte fundamental da boa captação. Antes de ligar o gravador ou o celular, respire, explique calmamente o que vai acontecer, peça permissão de forma clara, e certifique-se de que a pessoa entrevistada se sinta segura e confortável. Isso melhora não só a qualidade do áudio — mas, sobretudo, a qualidade da fala.

Gravar fora da rede é um ato de presença e compromisso.
É transformar o cotidiano em arquivo sonoro, respeitando o tempo, o espaço e o corpo do outro. Com técnica, simplicidade e ética, você consegue capturar vozes potentes que ainda não encontraram eco na internet — mas que têm muito a dizer ao mundo.

Transformando relatos não-digitais em episódios respeitosos

Gravar vozes fora do circuito digital é apenas o começo. O verdadeiro desafio — e também a grande oportunidade — está na maneira como esses relatos são tratados, editados e transformados em episódios que respeitem a integridade, a complexidade e a dignidade das pessoas envolvidas.

É neste momento que o produtor de conteúdo deixa de ser apenas um técnico da escuta e se torna um curador ético de narrativas, com poder de amplificar sem distorcer, de traduzir sem reduzir, de editar sem apagar.

Esse processo exige uma postura crítica e sensível diante de dois riscos muito comuns ao lidar com vozes populares, periféricas ou desconectadas: a folclorização e a instrumentalização narrativa.

O perigo da folclorização (e como evitá-lo)

A folclorização acontece quando o relato de alguém — muitas vezes de origem popular, periférica ou tradicional — é apresentado de forma caricata, exótica ou estetizada, como se fosse uma peça de museu, um “tipo pitoresco” ou um “personagem curioso”. Isso reduz a pessoa a um estereótipo e a transforma em objeto de consumo cultural.

Esse erro, ainda que muitas vezes não seja intencional, é comum em podcasts que tentam valorizar “o diferente” sem se dar conta de que estão reproduzindo olhares coloniais sobre as experiências alheias.

Como evitar?

  • Evite a edição sensacionalista ou irônica: não use falas de forma isolada para provocar riso, espanto ou choque. Contextualize.
  • Não transforme a pessoa em personagem: ela não está ali para representar “o nordestino engraçado”, “o velhinho sábio” ou “a líder guerreira”. Ela é uma pessoa com múltiplas dimensões, contradições e subjetividades.
  • Fuja da narrativa do “exemplo de superação”: nem toda história precisa ser inspiradora. Às vezes, o mais potente é o relato cru, cotidiano, não-heroico. Valorize isso.
  • Compartilhe o controle narrativo: sempre que possível, retorne à fonte para mostrar como o episódio será usado. Ouça o que ela pensa sobre a própria participação. Isso é raro — e profundamente respeitoso.

Episódios como forma de devolver dignidade narrativa

Mais do que uma vitrine, o podcast pode ser um espaço de restituição simbólica. Ao permitir que pessoas com pouca ou nenhuma presença digital sejam escutadas em seus próprios termos, você ajuda a reconstruir um lugar de pertencimento — na história, na memória coletiva, no imaginário social.

Essa devolução de dignidade narrativa acontece quando:

  • Você escuta sem filtrar a voz por padrões de norma culta, dicção ou ritmo. Deixar a fala acontecer no seu tempo é um gesto de resistência contra a homogeneização do discurso.
  • Você não corta trechos que parecem “sem conteúdo”, mas que revelam afeto, hesitação ou contexto emocional. Um silêncio ou uma risada também são parte do relato.
  • Você respeita a linguagem original. Gírias, sotaques, construções regionais: tudo isso é parte da identidade da pessoa. Traduzir demais é apagar.
  • Você atribui crédito real. Nome, localização, contexto, e — quando possível — autorização direta da pessoa. Dar nome é reconhecer existência.
  • Você considera o impacto da história na vida da pessoa depois da publicação. Às vezes, um episódio gera repercussões que podem afetar diretamente o cotidiano de alguém. Pense nisso ao editar.

Um bom episódio não é aquele que impressiona pelo roteiro sofisticado, mas o que carrega verdade, escuta e responsabilidade. Ao transformar relatos não-digitais em conteúdo, você está operando em uma zona delicada: o cruzamento entre o íntimo e o público. Trate esse espaço com o cuidado que ele merece.

A voz que nunca foi ouvida merece mais do que um lugar no feed.
Ela merece espaço real, contexto, cuidado e respeito. Episódios assim não são apenas conteúdos: são pontes entre mundos, arquivos vivos e gestos de reparação narrativa.

Fazer um podcast mais justo, mais plural e verdadeiramente representativo não é apenas uma questão de pauta — é uma questão de escuta. E escutar, no sentido mais profundo do termo, vai muito além de dar espaço para o que já está sendo dito nas redes. Envolve sair da bolha, abrir mão do conforto do algoritmo e se comprometer com a escuta presencial, territorial, corporal.

Produzir conteúdo com responsabilidade em um país tão desigual quanto o Brasil exige descentralizar não só os temas, mas também os métodos. O acesso à internet ainda é restrito para milhões de brasileiros. E mesmo entre os que estão conectados, há muitos cujas histórias não se traduzem bem nos moldes e métricas digitais. Eles não viralizam. Mas isso não quer dizer que não importam. Pelo contrário: muitas vezes, são justamente essas vozes que mais têm a ensinar sobre o país real.

Ao longo deste post, vimos que é possível — e necessário — encontrar essas pessoas, aproximar-se delas com cuidado, gravar com simplicidade e ética, e transformar suas falas em episódios que devolvem visibilidade, dignidade e pertencimento narrativo. Isso exige mais trabalho? Sim. Mas também gera um conteúdo infinitamente mais potente, mais autêntico e mais comprometido com a diversidade.

Esse é o convite: descentralize a escuta, descentralize a produção, descentralize o olhar.

Saia da timeline e vá à feira, ao centro comunitário, à praça, à vila, ao ônibus, à roda de conversa. Leve seu gravador, mas antes disso, leve tempo, leve curiosidade e leve respeito. O corpo-a-corpo continua sendo uma das formas mais ricas de fazer jornalismo, cultura, arte e memória.

Produzir um podcast com verdade começa pela escuta real. E escutar de verdade exige presença.

Porque nem toda história está online — mas toda voz merece ser ouvida.